Como um choque de capitalismo fez da Portela a campeã do Carnaval

Reportagem publicada originalmente em EXAME Hoje, app disponível na App Store e no Google Play. Para ler reportagens antecipadamente, assine EXAME Hoje.

“O último que sair apague a luz; Ops, as velas”. O meme, que mostrava a foto de um caixão coberto com a bandeira da Portela, circulou rapidamente pela internet e fez a alegria dos internautas das agremiações rivais. Era o ano de 2013 e uma das mais tradicionais escolas de samba do Brasil agonizava em praça pública.

Com uma dívida de 14,8 milhões de reais, sete meses de salários atrasados e sem material para iniciar a confecção das alegorias, a Portela chegava ao fundo do poço ao ter a luz de sua quadra cortada por falta de pagamento — devia 22.000 reais à Light, a concessionária de energia.

A sétima colocação no desfile de 2013 indicava que a escola não sairia da fila tão cedo. Maior vencedora do carnaval carioca, com 21 títulos, a azul e branco de Madureira não é campeã desde 1984, quando dividiu o título com a Beija-Flor. Sozinha não vence desde 1970.

As coisas começaram a mudar ainda de 2013, quando Marcos Vieira de Souza, o Falcon, assumiu a presidência da Portela prometendo uma revolução na gestão, que tinha como principal objetivo subverter um conceito enraizado na escola: o de que a tradição bastava e seria para sempre o seu grande charme, independente dos títulos.

O primeiro passo de Falcon foi pensar a Portela como uma empresa. O plano era aproveitar a tradição, de uma das escolas mais populares e queridas do Brasil, ligada a grandes nomes da música brasileira, como Paulinho da Viola, Zeca Pagodinho e Marisa Monte, para faturar alto.

O processo de modernização sofreu um baque em setembro do ano passado, quando Falcon, então candidato a vereador, foi assassinado num crime ainda não esclarecido. Mas a semente de modernização da escola fundada em 1923 continuou dando frutos.

Em três anos, a Portela reduziu a dívida de quase 15 milhões de reais para 1,3 milhão de reais, iniciou um programa de sócio-torcedor (atualmente com quase 5.000 credenciados), inaugurou uma loja num shopping do Rio e abriu caminho para sair dos anos de fila.

No carnaval do ano passado, terminou em terceiro lugar, ficando a apenas um décimo da campeã Mangueira. “Nós apostamos em duas frentes: na marca e no título”, diz Luis Carlos Magalhães, que assumiu a presidência logo após a morte de Falcon. “Tenho plena consciência da força da marca Portela, mas precisamos ganhar o carnaval para fazê-la crescer ainda mais e aumentar o nosso faturamento”, afirma Magalhães.

Com a crise financeira, que espantou patrocinadores, as escolas dependem cada vez mais da verba da Prefeitura e da Rede Globo, que detém os direitos de transmissão, repasse que quase sempre chega com atraso. “A nossa briga sempre foi para que esse recurso chegasse antes, um ano antes, mas nunca é possível. A saída é não ficar tão dependendente”, afirma Magalhães.

O presidente não abre números por questões estratégicas, mas dá exemplo de como a Portela conseguiu equilibrar o orçamento apostando no poder de sua tradição. “Para fazer um bom carnaval, não se gasta hoje menos de 6 milhões de reais. Não temos um patrono, como as outras escolas, não estamos num bairro de classe média, como a Unidos da Tijuca. Precisamos nos agarrar à tradição”, diz Magalhães.

E assim foi feito. Os ensaios passaram a ser cobrados de forma mais organizada, assim como famosa feijoada dos fins de semana. A Portela abriu a sua primeira loja no Madureira Shopping e iniciou uma turnê da Velha Guarda pelo Brasil, shows que ocorrem durante todo o ano e rendem recursos para o carnaval.

Com a ajuda de Felipe Guimarães, diretor financeiro, um jovem economista formado na PUC e com pós-graduação em economia e marketing pela FGV, Magalhães enxugou a folha de pagamento, demitindo funcionários ociosos, e tomando medidas simples, mas importantes, como a troca de iluminação para lâmpadas de LED, que resultou numa redução de 60% na conta de luz — que, aliás, nunca mais foi cortada.

A reportagem de EXAME Hoje passou uma tarde no barracão da Portela, que ocupa uma grande área nos fundos da Cidade do Samba, na zona portuária, centro do Rio, onde são elaboradas as alegorias e fantasias das escolas do Grupo Especial. A despeito do calor de quase 40 graus, trabalha-se muito por ali. Vencer o carnaval virou uma obsessão para os sambistas de Madureira. Tanto que a escola contratou Paulo Barros, o mais inovador dos carnavalescos da atual geração, tricampeão com a Unidos da Tijuca.

Para atrair Barros, que vai para seu segundo desfile pela escola, a Portela abriu o caixa — seu salário, de 100.000 reais por mês, segundo o jornal Extra, é o maior do Rio, e chega a ser sete vezes maior que o do campeão do último carnaval, Leandro Vieira, da Mangueira.

Este ano, Barros conta com a crise como amuleto. Explica-se: a Portela tinha acertado um desfile patrocinado, mas o acordo foi rompido por causa da situação econômica. Sobrou para a escola a opção de usar um enredo que tem tudo a ver com sua história: “Foi um rio que passou em minha vida e meu coração se deixou levar”, que evoca um dos sambas mais famosos da Portela. Na avenida, a escola vai falar dos aspectos culturais e dos costumes de alguns rios, como o São Francisco.

“Chega dessa história de dizer que o título do carnaval é uma banalidade para a Portela, pois ela já tem tantos. Se esse título vier, nossos ganhos serão potencializados de uma forma que quem entrará na fila serão os outros. Pode escrever”, diz Magalhães.

 

Fonte: http://exame.abril.com.br/negocios/como-um-choque-de-capitalismo-fez-da-portela-a-campea-do-carnaval/

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